domingo, agosto 26, 2007

como pode defender-se o cidadão comum

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 26, 2007

antes e depois

Luís David


As palavras valem pelo que valem. Mas, também valem por quem as pronuncia. Assim, por exemplo, uma palavra, uma frase, pronunciada por um agente da Polícia, tem um valor. A mesma palavra, a mesma frase pronunciada por um comandante ou por um director nacional da Polícia, tem outro peso. Pode ter outro valor, outro significado. Ora, depois de tempos e de tempos, de anos e de anos a dizer-se que a Polícia tinha falta de meios para combater o crime, este argumento acaba de ser derrubado. Acaba de ser deitado por terra. Acaba de perder toda a sua consistência. É que na sua edição da última sexta-feira, titula o jornal “Notícias” (página 2), que “Para o combate à criminalidade – Problema da Polícia não é falta de meios”. E atribui a afirmação a Bazílio Monteiro, director nacional da Ordem no Comando-Geral da PRM, para quem se pode fazer melhor com o que existe. Naturalmente, vinda de quem vem, a afirmação tem o peso e o valor que tem. E que, convenhamos, é muito.

No texto em referência, pode ler-se, a determinado passo que “Mesmo admitindo que a Polícia enfrenta sérios problemas de meios operacionais, Bazílio Monteiro explica que se pode fazer algo melhor para combater o mal que grassa o nosso país. Para ele, urge capitalizar as capacidades humanas existentes por forma a trazer vantagens comparativas ao défice, acreditando no verdadeiro Homem-polícia que, a todo o custo deve se sentir com motivação recuperada”. Noutra passagem, depois de se falar sobre as preocupações causadas pelo crime nas cidades de Maputo e Matola, diz-se que “Aliás, as hierarquias do Ministério do Interior e do Comando-Geral da PRM, apesar de aconselharem as pessoas a manterem-se calmas e atentas a qualquer movimento de indivíduos estranhos, reconhecem que muito ainda há por fazer para combater não só a criminalidade, mas também os circuitos que deixam escapar informações de operações de natureza complexa esboçadas pela corporação.” Quer dizer, se ainda existe lógica, se a lógica ainda tem lógica, em vez de um, passou a haver dois combates a travar. Por, simplesmente, ter passado a haver dois tipos de inimigos públicos. O primeiro, será o ladrão, o salteador, o assaltante, o criminoso armado. O segundo, mas não necessariamente por esta ordem por a ordem poder ser invertida, são os circuitos que deixam escapar informações de operações de natureza complexa esboçadas pela corporação. Quer dizer, ou pode permitir concluir-se, a Polícia está infiltrada. O que parece, também, não ser segredo nem novidade. Isto, sem rodeios e por palavras claras. De resto, crime, negócios ilegais, empresas de fachada, receptadores de bens roubados vai, segundo as más línguas de café, muito para além dos vendedores de esquina e do chamado comércio informal. A questão que fica por saber é a de como pode defender-se o cidadão comum.

domingo, agosto 19, 2007

para evitar mais pressões e intervenções externas

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 19, 2007

antes e depois

Luís David


Vivemos, desde há alguns anos, em democracia. Vivemos num sistema político, ao qual se convencionou chamar democracia. Que não sendo, naturalmente, um sistema perfeito, é o melhor de todos os sistemas conhecidos. Assim a definiu um ilustre estadista europeu. Por palavras diferentes e há muitas décadas. Ora, a nossa jovem democracia é isso mesmo. É jovem. Mas, para além de ser jovem e novata, está a crescer e a procurar firmar-se num Estado também jovem. Ainda não consolidado. Num Estado que é o que é. Num estado que, não custa admitir, tem mais de valores, de vontades e de imposições externas do de quereres e de vontades internas. Num Estado que se procura impor como modelo, para consumo externo. Mesmo quando esse Estado possa estar a afastar e a afastar-se dos fundamentos básicos da Nação. Da criação da Nação e da consolidação da Nação moçambicana. No que ela necessita para se afirmar, para se firmar e para se poder impor. Ora, a tudo isto e, certamente a bem mais, se ajunta o facto de a nossa democracia, assim como a conhecemos e assim com a temos, apenas ter pai. Apenas ter quem se afirma como pai. E que, até hoje, nunca revelou quem é a mãe. A nossa democracia é, assim, uma democracia de pai assumido e de mãe desconhecida. Pode, pois e muito bem, não passar de uma democracia enjeitada.


O tempo parece passar rápido. Os anos somam-se aos anos. Completam décadas. De um passado recente. De um passado de partido único que, alguns preferem evitar recordar e, outros, pior, não assumir. Nesse passado recente, houve um determinado período de tempo em que Moçambique, talvez mais em particular Maputo, viveu situações anormais. Da análise do que se estava a passar resultou a publicação de um panfleto, talvez de uma brochura, como lhe queiram chamar, a que terá sido dado o título “Como Age o Inimigo”. O boato, a sabotagem, a destruição de bens públicos e privados, os assaltos com recurso a armas de fogo, retornaram. Talvez, com uma ou duas inovações. Como seja o assassinato de agentes da Polícia e a prova da inutilidade, da ineficiência e da ineficácia das empresas de segurança privada. Perante a realidades dos últimos assaltos a instituições privadas, perante os últimos actos de violência criminal, parece necessário fazer alguma reflexão. Profunda. Pelo menos, assim o aconselho o bom senso. E, mais, tornar público o resultado dessa reflexão. Impõe-se, sobretudo, que haja a coragem para se dizer, antes de Dezembro próximo, se o que está a acontecer são simples actos de pura ladroagem. Se são meros actos de criminosos internos. Ou se não. Se pelo contrário, estamos perante acções ou operações concertadas com apoio externo. Com o objectivo de criar uma situação de desgoverno. Moçambique, os moçambicanos, tem suficiente capacidade para uma análise do que se está a passar. Do que está a acontecer. Independentemente de opções partidárias. Em última análise, para evitar mais pressões e intervenções externas.

domingo, agosto 12, 2007

É obrigatório que isso não venha a acontecer

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 12, 2007

antes e depois

Luís David


Gostava de poder ter vivido no tempo em que se diz que os animais falavam. Haverão de ter sido tempos maravilhosos para viver. Tempos de diálogo. Tempos de compreensão. Tempos de entendimento e, também, de desentendimento. Mas, tempos em que todos falavam. Pelo menos, tempos em que todos podiam falar. Agora, no hoje, neste tempo nosso, neste tempo de nós, no tempo actual, tudo parece meio diferente. Já só falem os homens. Os animais, esses, é verdade, continuam com o direito de poder pensar. Mas, já não podem falar. Foi-lhes retirado o direito de falar. Compreende-se porquê e porquê assim. É que constitui um grande risco, nos bons tempos que correm, permitir que os animais falem. Que os animais continuem a falar. Constitui um grande risco dar a palavra aqueles que pensam. Assim, pensaram os senhores do mando, é preferível tirar a palavra aos que pensam. Aos animais e aos sábios. Também aos doutos e aos sages. Silenciados uns, calados outros, impedidos de expressarem e seu conhecimento mais alguns e a sua experiência outros, ficou aberto o campo para o avançar da ignorância e da incompetência. Também da intolerância, da maledicência e da maldade. Mas pior, o pior de tudo, é tentar colocar a ambição pessoal acima dos interesses colectivos. Sociais. Nacionais. Pergunte-se, então, se Estaline terá sido pior ou melhor do que Hitler. A resposta, pode ser irrelevante. Ambos estão situados entre os maiores criminosos dos tempos modernos. A história assim o regista, de forma com poucas possibilidades de desmentido.


Ontem, quinta-feira, cerca das 20 horas, a calma, em muitas residências da zona alta de Maputo, foi interrompida por tiroteio. Soube, mais tarde, que dois polícias haviam sido barbaramente assassinados e um terceiro ferido. Por bandidos armados. Na noite anterior, na cidade da Beira, dois camiões, que rebocaram tanques com combustível, foram incendiados. Mais antes, dias antes, um polícia, desses alcunhados de municipais, que dizem ter disparado inadvertidamente a sua arma, feriu cinco pessoas. Que nada tinham a ver com nada. Que eram simples transeuntes. E que tiveram, simplesmente, o azar de estar no local e no momento errado. Onde, por mero acaso ou não, estava, também, um polícia errado. Ao que se diz, como sempre, para retirar esses inconvenientes vendedores de esquina. Esses pés descalços que ocupam espaços que, em outras áreas da cidade, são concedidos a bancos e a restantes de luxo. Mais inquérito menos inquérito, o que se sabe, até hoje, é nada. Aqui, entre nós, os inquéritos são simples falácia. De resto, também assim aconteceu, também assim sempre o foram, nos tempos de Hitler e de Estaline. O problema do pobre em Moçambique é, simplesmente o de ser pobre. E daí, o de ter de esperar até Dezembro, para ver eliminada a criminalidade. Até lá, até esse Dezembro próximo, muita gente empenhada no combate ao crime poderá vir a perder a vida. É obrigatório que isso não venha a acontecer.

domingo, agosto 05, 2007

Explosivos não se transportam como batata ou tomate

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 5, 2007

antes e depois

Luís David

É bem provável que os anos de sacrifício consentidos para conquistar a independência, tenha marcado muitos homens e mulheres. De forma profunda e para todo o tempo das suas vidas. Depois, a guerra chamadas dos 16 anos, poderá ter deixado outros e outras, quando não os mesmos e as mesmas, insensíveis à morte. Ou ao risco e à aventura de viver. Porque viver sob permanente ameaça de morte é, de facto, um risco e uma aventura. Mais. O contacto diário com a morte, embora de outros, pode imunizar muitos perante a morte. O perigo da morte. Pode, até, retirar significado e sentido ao conceito de morte. Em último caso, pode travestir ou ter travestido o sentido de morte. Nos mais diversos planos e aos mais diferentes níveis. Desde o ético ao moral, passando pelo religioso. Do mítico ao psicológico. Do colectivo ao pessoal. Morrer e ver morrer, sofrer para morrer e ver sofrer para morrer, deixa de ser excepção. Condenável. Poderá ter passado a ser, poderá ter sido, em diferentes momentos e em diversos locais, simples regra. Em muitas circunstâncias e de forma consciente ou resíduo do subconsciente, a morte poderá ter deixado de ter valor. Ou, melhor, a vida. A vida poderá ter deixado de ter valor, perante a banalização da morte.


As explosões no Paiol de Malhazine, provocaram o número de mortes, de feridos e de estropiados que todos conhecemos. A destruição de engenhos que não haviam explodido, provocou mais mortes na Moamba. Fala-se, repete-se, tratar-se de explosivos obsoletos. Como se o facto de serem obsoletos, por si só, signifique não estarem activos. Não poderem explodir a qualquer momento. Como aconteceu, mais recentemente, na Base Aérea de Mavalane. Ora, sendo de excluir, à partida, ter sido uma acto suicida, parece pertinente colocar algumas questões. A primeira, é o motivo pelo qual a viatura não terá sido abastecida antes de ser carregada com os explosivos. A segunda, é o motivo pelo qual o transporte não foi feito durante a noite. Com uma temperatura mais baixa e menor movimento nas estradas. A terceira, é se, de facto, o responsável pela operação de destruição dos engenhos, ditos obsoletos, seguia ou não noutra viatura a acompanhar as que transportavam as dez toneladas de material a destruir. Claramente, como cidadãos, conforta-nos pouco saber que se está a trabalhar nas condições possíveis. Aliás, preocupa-nos demasiado O transporte e destruição de material explosivo exige e impõe que se trabalhe nas condições ideais. Nunca nas possíveis. E, digamo-lo claramente, esse é um dever e uma obrigação do Estado. Se agora, se esta explosão de uma viatura no Aeroporto de Mavalane custou meia dúzia de feridos, é preciso evitar que possa haver outra que venha a provocar mais feridos e mais mortes. Para tanto, é obrigação transformar aquilo que, de maneira alegórica, se define como condições possíveis em condições totais de segurança. Para o cidadão. Explosivos não se transportam como batata ou tomate.