domingo, agosto 13, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 13, 2006

antes e depois

Luís David


mais de uma Cahora Bassa

Acontece por vezes. Pode acontecer muitas vezes. Duas ou mais pessoas empregarem as mesmas palavras, utilizarem os mesmos termos. Mas não se entenderem, não estarem a falar da mesma coisa. É que as palavras e os termos, sendo os mesmos, podem não estar a ser utilizados com o mesmo sentido, com o mesmo significado. E, isto nas questões mais simples como nas mais complexas. Em termos presentes, exemplo de aparente desencontro é Cahora Bassa. É que, muito que se tem dito, muito que se tem escrito, sobre ou acerca da Barragem. Sendo que a dúvida que sobressai, a questão que se pode colocar, é se todos os actores, se todos os autores, estão a pronunciar-se sobre uma e a mesma coisa. Se Cahora Bassa é, afinal, coisa única. E se, mesmo sendo coisa única, é possível dela termos uma visão única. E unificada. Ou se, mesmo sendo coisa única, a posição e o posicionamento individual de cada um, conduz, ou pode conduzir a percepções diferentes. Nesta perspectiva, poderão existir tantas Cahora Bassa quantos os observadores, tantas Cahora Bassa quanto a percepção de cada um dos observadores. Sejam eles muitos ou poucos.


Todos sabemos que Cahora Bassa é um assunto, é um tema caro a muitos moçambicanos. Obviamente, que não só pela Barragem em si própria. Mas, pelo que ela significa, pelo que ela simboliza. Também, e sobretudo, por motivo do longo, entortado e torturante processo de negociação. Que tem por objectivo, que se pretende conduza à passagem do seu controlo para o Estado moçambicano. Que tem por objectivo, repita-se, ainda não alcançado. Ora, parece ser precisamente aqui que surgem as tais diferentes visões sobre uma mesma Cahora Bassa. Muito provavelmente, por falta de um exercício que conduza ao recordar dos factos e à avaliação da história das últimas três décadas. Mas, também, de um exercício que permita avaliar se a Cahora Bassa a que se referem os Acordos de Lusaca é a mesma de que estamos a falar no presente. Ou se não é. No concreto, parece ser aqui que se confrontam as diferentes percepções sobre Cahora Bassa. Por um lado, há quem pense ser possível trazer, hoje, para a mesa das negociações a Barragem tal como existia e era vista e entendida em 1975. Por outro lado, pode haver quem entenda recordar que as mais de 600 torres de transporte de energia para a África do Sul não caíram com o vento. Que foram derrubadas, que foram sabotadas em nome de uma causa. Que até poderá ter encontrado simpatia por parte de pessoas próximas a sucessivos Governos de Portugal. Quando não apoio, mais ou menos camuflado. Assim vista a questão, poderá haver mais de uma Cahora Bassa.

sexta-feira, agosto 11, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 6, 2006

antes e depois

Luís David

traça a política quem tem o dinheiro

A crise no Médio Oriente, o conflito entre Israel e o Líbano, parece longe do fim. Ao certo, a Conferência de Roma não produziu os resultados desejados, não foi conseguido um cessar-fogo. Não importa neste espaço, saber quem tem ou não tem razão. È que, para além da razão, há aspectos que parece importante reter. Há aspectos em que vale a pena pensar. Meditar. Por exemplo, no número de mortos, de um e de outro lado. Na destruição de edifícios e de infra-estruturas. No quanto irá custar reconstruir o que foi destruído em poucos dias. Certamente, muitas centenas de milhar de dólares norte-americanos. A que se terá de adicionar o custo do armamento. Que alguém terá de pagar a alguém. Infalivelmente. É cedo para vaticinar quem irá ganhar e quem irá perder esta guerra. O que se pode afirmar é que quem está a ganhar são as indústrias de armamento. Mas, como todos o sabemos, o mundo tem muitas injustiças. Tem destas injustiças. Uns, podem comprar as mais sofisticadas armas para se matarem, para se liquidarem reciprocamente. Outros, poucos são os meios que possuem para evitar morrer devido a uma doença banal e de fácil cura. Quando não devido à fome.


Autoridade sanitárias nacionais divulgaram, há poucos dias, que a malária matou mais de três mil pessoas em Moçambique, apenas no primeiro semestre do corrente ano. Um número de mortes elevado, um número de mortes deveras elevado. Provocado pela simples picada de um mosquito. Certamente, muitos mais milhares perderam a vida por toda a África, no mesmo espaço de tempo. Ora, a malária é uma doença que tem cura. Digamos, até, que é de fácil diagnóstico e de fácil tratamento. Que há muito devia ter sido erradicada do nosso Continente. E que se o não foi, como de facto não foi, não é por falta de conhecimentos científicos. É por motivos outros e bem diferentes. É, muito simplesmente, por falta de dinheiro para comprar medicamentos. É, muito simplesmente por falta de dinheiro para construir fábricas e produzir medicamentos a baixo custo. Quer a doença se chame malária ou HIV/SIDA. É, muito simplesmente, porque ninguém investe numa fábrica de medicamentos quando, depois, não há dinheiro para comprar esses mesmos medicamentos. E aqui chegados, pode colocar-se uma questão. Bem simples. A questão de saber quantas fábricas de medicamentos poderiam ter sido construídas em países africanos com os milhões de dólares já gastos na guerra entre Israel e o Líbano. Ou, até, sendo mais modestos, com o dinheiro gasto em actividades diplomáticas para conseguir o fim do conflito. Certamente, muitas. E, certamente, também, muitos milhares de pessoas deixariam de continuar a morrer por doenças tão facilmente curáveis como a malária. O que sendo, de facto, uma questão de dinheiro também é, em primeiro lugar, uma questão política. Ou seja, que traça a política quem tem o dinheiro.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 23, 2006

antes e depois

Luís David


um cheque “careca”

Bem andou Joaquim Chissano, enquanto Presidente da República, ao tentar fazer reverter a hidroeléctrica de Cahora Bassa para Moçambique. Já perto do fim do seu mandato manifestou, até, publicamente, o desejo de deixar encerrado o “dossier” HCB antes de deixar a Presidência da República. Não haveria de o conseguir. Apesar de as promessas serem muitas e ao mais alto nível. Apesar de ter havido alguns avanços nas conversações. Mas, a realidade é que os recuos foram sempre maiores. Depois, a Chissano sucedeu Guebuza. E, o desejo de ver revertida a HCB para Moçambique foi renovado e repetido. O processo de negociação, bastas vezes interrompido por crises políticas em Portugal, retomado. O montante a pagar por Moçambique, acordado. Finalmente, em Novembro do ano passado, os dois países assinaram um memorando de entendimento. Em Lisboa e ao mais alto nível. Parecia que, assim, estava a ser virada uma página na história dos dois países, Mas, não. Sabe-se hoje que não. É que Portugal, por si só, não pode, não tem poderes, não está credenciado para vender o que é seu. O que construiu em país terceiro, embora com objectivos colonialistas. De facto, quanto pode a globalização. Como é grande o poder dos globalizadores de hoje.


Por maior que tenha sido a pressão de Moçambique para assinar, em Novembro do ano passado, o memorando de entendimento com Portugal, algo de estranho deverá ter sucedido então. Ou, outra hipótese, algo de anormal aconteceu de Novembro para cá. É que custa perceber que, no acto da assinatura, o governante português não soubesse que a União Europeia tinha, como parece continuar a ter, a última palavra a dizer sobre o negócio. Mas, até podemos conceder o benefício da dúvida. Até podemos admitir que não sabia. Neste caso, nesta hipótese, seria correcto vir dizer, publicamente, que não conhecia as implicações para o seu país, do documento que assinou em nome de Portugal. O que, para alguns ou visto à distância, no tempo e no espaço, poderia ser interpretado como uma prova de fraqueza. Digamos, mesmo, de incompetência. Mas, por outro lado, se sabia, se sabia que o documento que assinou só tem validade quando sancionado por órgão competente da União Europeia, deveria tê-lo dito na ocasião. É que assim, vistas as coisas como as estamos a observar no momento actual, fica-se com a sensação que algo não correu bem. Que as palavras foram apenas palavras de ocasião. E que pouco ou nada têm a ver com os actos. Logo, que as intenções manifestadas não passaram, até hoje, disso mesmo. De intenções. Ou, se quisermos usar uma linguagem bancária, o memorando de entendimento sobre a HCB tem, para Moçambique, o valor que tem um cheque sem cobertura, um cheque sem provisão. Ou, como é dizer do povo, deram-nos um cheque “careca”.
Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 23, 2006

antes e depois

Luís David


ministro não é fiscal


Um pouco por todo o país, existem edifícios públicos construídos há muitas dezenas de anos. Na maioria dos casos, trata-se de construções sólidas. Logo, de custo elevado. Na maioria dos casos, serão construções pensadas e concebidas para durar longas décadas. Possam ou não, no tempo presente, necessitar de trabalhos de manutenção ou de reabilitação. O tempo e o uso, assim o podem exigir. Acontece agora, hoje, que muitos dos edifícios públicos parece que são construídos a pensar num tempo de duração medido em anos. Não em décadas. Mas, pior do que esta falta de visão, pior que esta (má) estratégia, é a péssima qualidade do trabalho, da construção em si mesma. Que parece ninguém ver ou não querer ver. Muito recentemente, aí tivemos o que todos o que todos vimos com as casas do Fundo de Fomento da Habitação. Esta semana, foi o governador de Sofala, a fazer de fiscal de obras públicas. A fazer o trabalho que os fiscais não fizeram. Ou fizeram mal. Aconteceu em Marínguè. Onde um escola nova não possuía sanitários para raparigas. E, cúmulo dos cúmulos, as janelas não tinham dobradiças. De facto, a fazer fé nos relatos vindos a público, quando mais se caminha para longe das capitais provinciais, mais distante fica, também, a qualidade do trabalho realizado. Sem qualquer justificação plausível.



A má qualidade de obras públicas não começa nem termina em escolas, postos de saúde ou hospitais. Atinge também artérias urbanas e estradas nacionais onde são investidos muitos milhares de biliões de meticais. Mesmo que da nova família. E, exemplo à vista de todos é o da Estrada Nacional Número Um. Em que a qualidade do trabalho realizado é diferente de troço para troço. Como diferente é o dia da noite. Aqui, temos um pavimento liso e impecável. Mais além, um piso diferente e onde começam a aparecer buracos. Noutro local, onde existe obra de arte, o terreno começa a ceder, a dar origem a sulcos declives com vários centímetros de desnível. Um perigo, já, para a circulação automóvel. Quanto à sinalização vertical, nem vale a pena falar. É, em si mesma um desastre. Com placas a autorizar 100 quilómetros por hora dentro de centros urbanos e, pior, após as quais existem lombas. Simplesmente ridículo e revelador de incompetência. Mas tem mais, tem placas a dar por findo o limite de uma determinada velocidade, sem que exista, anteriormente, qualquer placa de limitação. É caso para perguntar, uma vez mais, por onde anda a fiscalização. O que fazem ou o que fizeram os fiscais da obra. A resposta, terá de ser que não fizeram nada. Que não fizeram o trabalho que é a razão de ser da sua existência e, pelo qual, são pagos. O motivo pelo qual não fizeram o trabalho que deveriam ter feito, fica ao critério da imaginação de cada um. O que não custa prever, é que não irá passar muito tempo sem termos, de novo, um ministro no papel de fiscal. Embora, convenhamos, todos o sabemos, ministro não é fiscal.