domingo, janeiro 15, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Janeiro 15, 2005


antes e depois

Luís David

em nome da transparência governativa

Durante muitos anos, Moçambique andou a duas velocidades. Foi um país dividido em dois. Em que era possível detectar o país real e o país ideal. Depois, as diferenças, as diferenças de velocidade foram sendo atenuadas, aproximaram-se uma da outra. Dito de outra maneira, o conteúdo do discurso político passou a aproximar-se da realidade, do país que somos. Mesmo assim, não deixámos de ser, somos e continuamos a ser um país a duas velocidades. Melhor pensando, melhor dizendo, quando parecia que caminhávamos para o país a uma única velocidade, algo parece ter falhado. Agora, já não somos um país a duas velocidades. Somos, passámos a ser, um país a três velocidades. Só que a terceira velocidade não é mais veloz nem mais lenta que as duas anteriores. É, pura e simplesmente, a marcha atrás. É tempo para dizer dever aceitar-se que a Reforma do Sector Público está a ser feita com a melhor das intenções. Que é necessária. Mas, devemos aceitar, também, que não se faz reforma nenhuma pelo facto de termos hoje mais computadores do que tínhamos ontem. De termos mais computadores ligados em rede. Porque não são os computadores em si que mudam coisa alguma. Não criemos essa ilusão, não alimentemos essa ilusão, não transmitamos essa ilusão. Porque, na realidade, o que está a acontecer é que a introdução de computadores, de muitos computadores em diversos serviços da Administração Pública, está a aumentar o fosso do conhecimento entre o cidadão e o funcionário. O funcionário sabe hoje muito mais do que sabia ontem. O cidadão sabe o mesmo. Por, isso, por esta razão, o cidadão é hoje presa mais fácil do funcionário desonesto. Digamos, em última análise, que aumentou assustadoramente o campo de actuação do funcionário corrupto. E, para concluir, só não percebe o que está a acontecer quem não quer perceber.


O Ministro da Educação e Cultura teve, esta semana, uma postura a todos os títulos louvável. Decidiu visitar algumas escolas de Maputo para se inteirar da forma como estão a decorrer as matrículas. E, encontrou situações anómalas, detectou procedimentos errados. Como qualquer um de nós haveria de ter encontrado, tivesse feito o mesmo exercício. Afinal primário. A questão de fundo, a questão que se torna necessário colocar, parece simples. Pode, até, parecer ridícula. Afinal, se não é necessário recorrer a Cartórios Notariais para reconhecer assinaturas ou autenticar documentos, o que leva tantas pessoas a adoptarem este processo como único. Pode não ser, como parece ser convicção do Ministro, simples falta de informação. Falta de informação de que podem fazer, de que podem legalizar toda a documentação para as matrículas na própria escola. É que, esta falta de informação, este défice de informação, não é, até prova em contrário, entre cidadão e Estado. É, isso sim, entre Ministérios. Então, por uma hora que seja, sentem-se do mesmo lado da mesa Ministérios da Educação e da Justiça e emitam um comunicado. Informem, por favor, quais os procedimentos a seguir no processo de matrículas escolares. Digam, e digam-nos, quais as orientações, de cumprimento obrigatório, que vão transmitir às escolas e aos Serviços de Notariado. Divulguem, publicamente, as vossas decisões. Conjuntas. E, mandem afixá-las onde entenderem por bem. E, se não for pedir muito, tenham a coragem de dizer que o fazem em nome do povo. Ou, em alternativa, digam que o fazem em nome da transparência governativa.

sábado, janeiro 14, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Janeiro 8, 2006


antes e depois

Luís David


A ilusão de ter poder

O ano de 2006 aí está. Para quem a ele conseguiu chegar. Evidentemente. Depois de uma festa mais ou menos barulhenta. Fenómeno, ao que parece, universal. Mas, o assinalar da chegada de um novo ano, a entrada num novo ano, não mais do que o fechar de um ciclo. E o abrir de outro. E, como convém, é uma festa rodeada de algum misticismo. Encerra, em si própria, o mito do tempo. Porque, coisa diferente é a contagem do tempo, a divisão do tempo. Que começa por ser matéria de consenso e de convenção. Ora, esta passagem de um ano para outro, este avançar no tempo, criou o mito da pausa, do interregno. Do tempo sem tempo. Do tempo para fazer balanço. Acontece, porém, que não existe presente. Existe, isso sim, passado e futuro. E, o que explica a nossa existência é, sempre, o antes e o depois. Mesmo sabendo que assim é, mesmo sabendo que o tempo não pára, gostamos de dividir em bom e mau o que se passou antes. E, a partir daí, numa perspectiva pessoal ou colegial, classificar acontecimentos e homens em bons e maus. Mesmo sabendo que bom e mau, que bem e mal não existem. Pelo menos, não existem em absoluto. Mesmo sabendo que o que é mau para mim, pode ser bom para outro.


A grande incógnita, a incógnita que colocamos sempre, a nós próprios e aos outros, é a de saber o que nos reserva o ano que começa. Sem podermos prever, menos ainda adivinhar, expressamos desejos. Fazemos votos. Especulamos. Alimentamos, de novo, o mito. Começamos por desejar que tudo o que possa acontecer de bom nos aconteça a nós. E que tudo o que possa acontecer de mau aconteça longe de nós, aconteça a outros. Nem nos damos conta como é grande, afinal, a maldade humana. Digamos mesmo, a crueldade humana. Nem nos damos conta, afinal, que pensando e desejando desta forma estamos a fomentar uma divisão e uma separação artificial entre bom e mau, entre bem e mal. Que podemos estar a fomentar guerras entre países, entre nações, entre regiões, entre vizinhos. Mas é, ao que parece, esta a forma, encontrada por alguns, por uns tantos, para defenderem o conceito de inferioridade e de superioridade. Digamos, o mito da inferioridade e da superioridade. Desta forma, por esta forma, cria-se, também, a ilusão de poder comandar a história. E o mundo. E de o mundo poder continuar, indefinidamente, por todo o tempo, dividido entre senhores e escravos. Sendo os senhores eternamente os mesmo. Sendo os escravos eternamente os mesmo. Ao que parece, algo de diferente já está a acontecer. O que pode significar que o poder está a deslocar-se, que o poder absoluto não resiste ao tempo, que não passa de um mito. Mais, que o poder absoluto é, apenas, uma ilusão. A ilusão de ter poder.